domingo, 12 de abril de 2015

NA CAPITAL: Delegacias superlotadas de presos



Situação rendeu momentos de tensão durante a semana com diversos casos de confusão nas unidades

d
Policiais do 2º DP (Aldeota) relataram momentos de tensão quando os 50 presos alocados na unidade quebraram equipamentos
FOTOS: ÉRIKA FONSECA
e
Já no 34º DP (Centro), houve um princípio de confusão, na tarde da última sexta-feira (10), também devido ao grande número de pessoas nos xadrezes
f
O 12º DP (Conjunto Ceará) também registrou instantes de revolta dos homens detidos na unidade que, por duas vezes, tentaram fugir do prédio
Image-0-Artigo-1832449-1
A desembargadora Francisca Adelineide, a presidente do TJ, Iracema Vale e o juiz auxiliar do CNJ, Luís Geraldo Lanfredi, apresentaram o projeto
FOTO: ÉRIKA FONSECA
Image-0-Artigo-1832528-1
Audiências de custódia são a alternativa encontrada pelos órgãos responsáveis para diminuir a lotação nas unidades de segurança do Estado
FOTO: AGÊNCIA BRASIL
"A situação é caótica. Temos medo do que pode acontecer. A qualquer momento, essa bomba relógio pode explodir". A declaração, de um policial civil lotado no 2º DP (Aldeota), que pediu para não ser identificado, diz respeito à situação dramática dos xadrezes da unidade.
Um espaço projetado para 12 pessoas era, na manhã de ontem, ocupado por 50 homens. Na última segunda-feira (6), eles iniciaram um motim e quebraram equipamentos de segurança no local.
Cerca de 800 presos estão abrigados nos xadrezes da Capital e Região Metropolitana. A situação tem gerado problemas em várias unidades.
A reportagem apurou que há dificuldades para, por exemplo, recolher restos de comida nas celas, o que deixa o ambiente insalubre. Além disso, os presos não estão conseguindo dormir, uma vez que não há espaço para que todos deitem ao mesmo tempo. Eles estão revezando durante a noite, com uns dormindo, enquanto outros aguardam a vez, em pé.
A situação, desconfortável para quem está enclausurado e preocupante para quem tenta manter a ordem no local, ganhou cenas dramáticas esta semana. Revoltados, os homens reclusos nos dois xadrezes do 2º DP iniciaram um motim, que resultou na quebra de equipamentos de segurança, como as câmeras de monitoramento da ala em que estão recolhidos.
A Polícia Militar foi acionada e apenas com a promessa de transferência os ânimos se acalmaram. À tarde, 10 presos foram movidos para a Delegacia de Capturas e Polinter (Decap).
Enquanto a situação era contornada de um lado da cidade, do outro, os 28 presos recolhidos no 17º DP (Vila Velha) também se exaltaram e iniciaram protesto por melhores condições nas celas. Durante o feriado da Semana Santa, relatos de ocorrências semelhantes também em outras delegacias distritais e Metropolitanas.
Na última sexta-feira, internos do 12º DP (Conjunto Ceará) e 34º DP (Centro) também se amotinaram. Na primeira unidade, houve tentativa de fuga. Na segunda, materiais proibidos foram apreendidos.
Medo
Moradores residentes nas proximidades das unidades relatam a tensão e o temor diante da situação. "Ouvimos gritos pela manhã e ficamos sabendo que teve uma confusão aí dentro. O medo é esse povo escapar e fazer alguma coisa com a gente, que não tem nada a ver com isso", afirmou um homem que reside próximo ao 2º DP.
Um policial lotado naquela unidade, ainda ressaltou que há riscos até para autoridades estaduais. "A Delegacia é próxima ao Palácio da Abolição, residência do governador. Se esses presos escaparem, o que não é difícil de acontecer diante da situação, o senhor governador e outros políticos podem se tornar potenciais alvos de algo bem pior", opinou.
A reportagem percorreu algumas unidades e obteve dados alarmantes da atual situação. No 34º DP (Centro), 44 pessoas ocupavam dois xadrezes, em situação bem semelhante à relatada na unidade da Aldeota. Da mesma forma, o 12º DP (Conjunto Ceará) contabilizava 43 pessoas detidas. Já no 3º DP (Otavio Bonfim), 32 homens estavam recolhidos. No 4º DP (Pio XII), eram 23 presos.
A Delegacia Metropolitana de Caucaia contava com 26 presos e a de Maracanaú, com 25 homens, até o fechamento desta edição. A Delegacia de Capturas e Polinter (Decap), somava 113 presos, sendo 90 homens e 23 mulheres.
"Os xadrezes não têm higiene, e há sempre esse risco de resgate e fuga. Estamos trabalhando sob stress, pressão, mas conseguindo controlar a situação. Aguardamos providências pois não estamos conseguindo exercer nossa função de Polícia Judiciária por estarmos cuidando de presos", disparou o policial do 2º DP.
Promessa
O diretor do Departamento de Polícia Metropolitana (DPM), delegado Jairo Façanha Pequeno, afirmou que tem buscado soluções junto ao delegado-geral de Polícia Civil, Andrade Júnior, e ao titular da Secretaria da Justiça e Cidadania, Hélio Leitão.
A saída em questão seria a urgente transferência dos presos recolhidos em Delegacias para o sistema penitenciário.
"O delegado-geral está intercedendo junto à Sejus. Esperamos que a situação melhore em breve", disse.
Audiências visam desafogar sistema carcerário no CE
Diante da situação que se instalou no sistema carcerário, os órgãos responsáveis apostam em uma nova proposta para desafogar as delegacias e os presídios.
Na última terça-feira (7) foi apresentado o projeto "Audiência de Custódia", do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), como alternativa para aliviar o sistema carcerário cearense.
O projeto já funciona em São Paulo, e o Ceará faz parte de um segundo momento de testes promovido pelo CNJ, que pretende ampliar a atuação das audiências para todo o País em um prazo de seis anos.
A previsão é de que, em 120 dias a contar da data da apresentação, quatro varas sejam designadas para a realização das audiências. A desembargadora Francisca Adelineide coordenará os trabalhos. Em 60 dias, um relatório deverá ser apresentado para solucionar as indefinições.
Audiência
Com o projeto em funcionamento, os presos em flagrante no Estado serão levados em um prazo máximo de 24 horas à presença de um juiz. Desta forma, com a criação de uma estrutura, viabilizada pelo Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), serão encaminhados à primeira audiência em menor tempo.
Atualmente, o contato entre a pessoa presa e o juiz só se dá, na maioria dos casos, conforme o CNJ, meses depois da prisão, no dia da audiência de instrução e julgamento. As audiências costumam durar menos de 10 minutos, conforme o CNJ. A estrutura física onde ocorrerão as audiências não foi definida.
Segundo a Secretaria da Justiça e Cidadania (Sejus), 11 mil presos que não foram julgados, ou seja, provisórios, são custodiados, atualmente, pela Pasta. Eles representam 70% da população carcerária do Estado.
Na apresentação do projeto, a presidente do TJCE, desembargadora Iracema do Vale, destacou a importância do cumprimento da Lei, no que diz respeito à fazer cumprir os direitos das pessoas presas.
"A garantia que todos possuem de serem ouvidos por um Juiz imparcial não pode ser postergada para o momento do processo se o direito de liberdade já se encontra restringido antes mesmo de instaurada a ação penal. É imprescindível que os postulados da ampla defesa e do contraditório sejam contemporâneos ao momento em que a liberdade já se encontra restringida. A audiência de custódia a meu ver, cumpre exatamente esse papel", avaliou.
Polícia
Alguns dos benefícios do projeto recairão sobre a Polícia Civil. O desafogo das delegacias, especialmente. Contudo, o delegado geral da Polícia Civil, Andrade Júnior, afirmou que ainda não pode fazer nenhum juízo de valor sobre a implantação das Audiências de Custódia, antes de ver a efetividade do projeto na realidade cearense. "Esta é uma experiência inovadora, que ainda não tem uma repercussão prática, já que não se tem um parâmetro de referência para saber se melhorou ou piorou a situação nos Estados em que foi implantada", disse o delegado.
'Tenho esperança nesse projeto'
Em março, o corregedor de presídios de Fortaleza, juiz Luiz Bessa Neto, por meio da Portaria Nº 1/2015, apresentou sugestões e recomendações à Sejus para tentar minimizar o problema da superlotação no sistema prisional do Ceará. A portaria sugeria que, na medida em que dois internos se retirassem do sistema de aprisionamento, apenas uma vaga poderia ser ocupada.
A portaria gerou discordância e, com o anúncio do projeto das Audiências de Custódia, teve seus efeitos suspensos.
"Em princípio, a portaria editada em 13 de março está vigendo, mas em face do projeto Audiência de Custódia, sobrestamos os efeitos da referida portaria, visando não gerar muita pressão no sistema de carceragem das delegacias de Polícia. No momento, tudo está fluindo com certa calma, e também o projeto tem nos animado para persistir na busca de soluções definitivas, para sairmos de uma situação historicamente crônica", disse o corregedor de presídios.
Bessa Neto demonstrou empolgação e disse estar confiante no sucesso da iniciativa do CNJ. "Tenho esperança neste projeto que pensamos pela experiência, que virá solucionar em definitivo esse angustiante problema".
Levi de Freitas
Repórter
Fonte: Diário do Norte

Nenhum comentário:

Postar um comentário